quinta-feira, 17 de abril de 2014

PAZ PODRE

Tenho os dias para mim. Isso ninguém me tira. Posso ler, estudar, vadiar. Posso escrever o novo livro. Não tenho de submeter-me a chefes nem a horários. De certa forma, estou fora do capitalismo. As pessoas ainda riem, conversam, trocam delicadezas mas, de facto, fazem parte do rebanho, daqueles que obedecem. Vão à escola, à faculdade mas não problematizam o sentido da vida. Sabem é comerciar, fazer negócio. Vivem presas. A maioria não é capaz de um comentário elevado, digno de um ser humano livre. Não é capaz de vociferar contra o sistema que faz deles escravos. São simpáticos, é certo. No entanto, falta-lhes alma, nobreza, grandeza. São os homens pequenos, os homens das meias-medidas, contentam-se com as pequenas coisas, não anseiam pelo super-homem, não querem conquistar a Terra. Na verdade, querem que o mundo permaneça tal qual é. Preocupam-se com o seu sustento e pouco mais. Não têm iniciativa. A única iniciativa que têm é a defesa dos seus e dos seus negócios. Não pensam em dirigir-se aos demais, em denunciar a situação, em lançar um jornal. Deixam ser-se influenciados pelos outros, só influenciam no sentido da normalização. Ah! Como me irrita esta paz podre, esta simpatia plástica. Como me irrita esta aceitação da lavagem ao cérebro, das vedetas televisivas. Não há nada de profundo. Não há Shakespeare, nem Dostoievski, nem Nietzsche. O amor reduz-se a círculos muito restritos. Não se alarga. O capitalismo é o contrário do amor. Reduz tudo à tecnologia, à bolsa, à eficácia. Daí que muitas vezes fiquemos deprimidos, vencidos, sem saída. Daí que não sejamos quem somos.

2 comentários:

AF disse...

O poeta expõe-nos à verdade, tão óbvia, que parece impossível que não a vejamos sozinhos. Mas mesmo quando a vemos, preferimos olhar para o lado. Preferimos ou temos de?

A. Pedro Ribeiro disse...

abraço, amigo.