segunda-feira, 29 de abril de 2013

HOJE REINO EU

O homem criou os deuses, entre os quais o mercado e o dinheiro. Está na altura de o homem matar esses deuses e de se assumir como deus único, como super-homem. Somos mortais mas os nossos poderes criativos são infinitos, tal como o nosso espírito. Escrevo isto numa terça-feira á tarde numa confeitaria de Vilar do Pinheiro, sem deveres nem obrigações, a não ser o de escrever e escrevo porque estou aqui vivo e tenho papel, caneta, mesa e duas chávenas de café á minha frente. Tenho a tarde toda para mim, só para mim. Há dias em que sinto em baixo. Não é o caso de hoje. Hoje celebro sozinho. Eles bem tentam castrar-me, ocasiões houve em que estive completamente despedaçado, inerte, sem reacção, mas hoje reino eu, ó Fátimas Lopes. Hoje reino eu, ó conversas imbecis. Hoje reino eu, ó comentaristas do regime. Hoje reino eu, ó vós que só sabeis trabalhar. Hoje reino eu, estou farto de vos aturar. Hoje reino eu, estou farto do vosso império. Hoje reino eu, nesta confeitaria onde ninguém me ouve. Hoje reino eu, estou na estrada certa, fiz o que tinha a fazer. Hoje reino eu, ó prima-donas, largai os vossos maridos, namorados, amantes. Hoje reino eu, ó senhores, até podeis chamar os polícias da mente. Hoje reino eu, já era sem tempo. Apanhei porrada, fui a julgamento, fui humilhado na praça pública. Agora estou aqui e acho a maioria imbecil. Nascem, crescem, estudam, trabalham, soltam uns risinhos de vez em quando, limitam-se a reproduzir o que os outros fazem, perdem a curiosidade, não se interessam pelo conhecimento, são tremendamente pequenos. Hoje reino eu, aprendi com Morrison, Nietzsche, Shakespeare. Hoje reino eu, cheguei ao momento da síntese. Contemplo os bolos da confeitaria mas o meu pensamento vai até aos céus. Hoje reino eu, alguém há-de ler as minhas palavras. Hoje reino eu, às 5:15 em ponto. Tudo quanto fiz e pensei, mesmo os filmes, faz agora sentido. Não sou, de facto, inferior aos ditos consagrados. Não aproveito ideiazinhas para escrever romances. Escrevo aquilo que sou. E digo: não me levais, ó papagaios televisivos, não me levais, ó comentadores, não me levais, ó controladores. O meu pensamento, a minha ideia hoje, esta tarde, é completamente independente de vós. Posso proclamá-lo ao mundo. Tanto posso dizê-lo em prosa como em verso. Hoje reino eu, é o meu dia. O Grande Meio-Dia. Trago comigo a águia e a serpente. Vou até ao lago do antigamente. O mago. O lago. A serpente. Sou mais louco que vós todos juntos. A minha loucura não é camuflada. A minha loucura é real. Escrevo até rebentar o cérebro, até não poder mais. Não me apanhais. Hoje reino eu. Ainda assim o sr. Tiago saúda-me. Como o Esteves da “Tabacaria”. Ainda assim o mundo real mantém o contacto comigo. Ainda assim mantenho-me dentro das três paredes e do vidro da confeitaria. Ainda assim a empregada existe e é simpática. Ainda assim há a alma e o amor em mim. Mas hoje reino eu, ó futeboleiros, ó macacos gritadores de golos, ó gajas que cantam na imagem. A minha mente evolui, o espírito expande-se, sou capaz de criar obra, a grande obra. Era uma vez um rapaz tímido que se apaixonava pelas meninas bonitas. Para ele as meninas eram quase deusas inacessíveis. Depois, mais tarde, pôde conhecê-las, falar com elas, amá-las. Mas, como seguiu a estrada do excesso, poucas o conseguiram acompanhar. Algumas chamam-lhe mago, filósofo e ele agora procura a glória, o reconhecimento em vida. Pensa. É o que gosta mais de fazer, de reflectir, de criar ideias. E, de facto, não suporta a vulgaridade. Hoje reino eu. Tentais comprar-me, ó guardiães da ordem estabelecida. Mas eu não sou da vossa espécie. Venho das lendas, de Camelot. Sou capaz de imaginar. Vivo em mim. Dou-me ao mundo, como Jesus. Hoje reino eu. Sou soberano. Fazeis demasiado barulho, ó figuras da TV. Se calhar nem sois reais, sois espectros que nos impõem. Estais longe, muito longe. Talvez deva mesmo dedicar-me ao espírito, desenvolver o meu espírito livremente, ir até aos céus. O caderno pequeno está a terminar. E eu continuo a escrever. As palavras dançam. A miúda da confeitaria também.

3 comentários:

Zaratustra disse...

Só uma curiosidade: Quem é o "Sr. Tiago"?

A. Pedro Ribeiro disse...

O sr. Tiago é um senhor que costuma ir à confeitaria.

A. Pedro Ribeiro disse...

abraço, Tiago.