segunda-feira, 26 de novembro de 2012

O PARAÍSO ESTÁ À VISTA

O poeta está sentado na confeitaria. Escreve, inventa mundos, segue a caneta. Hoje meditou, por isso se sente mais solto, mais livre. As ideias percorrem a mente. Apesar de algumas mazelas físicas, não saiu da juventude. Continua a ir às noites, aos bares, à poesia. Aí é capaz de travar conversas interessantes, de discorrer sobre os mais diversos temas. Não fica aparentemente apático, como agora. Olha a mulher jovem. Deseja-a. O poeta quer continuar a ser ele próprio. Quer continuar a celebrar o dia. Não há prisões que o detenham, nem papões, nem capitalistas. Ele vai ao encontro da luz, sabe que há uma luz que lhe dá a vida. Essa luz une-se à alma e então o poeta cria. Espalha palavras pelo papel. Vai deixando filhos na Terra. Filhos que são os livros, que são os textos que publica. Quando está assim o poeta não conhece limites. Está muito para lá da vida rotineira. Ama a mulher. Deseja-a. Sabe que veio com um propósito, com uma missão, a de aumentar a vida. Por isso no poeta o amor vence o medo, o amor está no poema. E o poeta dança, o poeta celebra. O paraíso está à vista.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

A PRISÃO

Que faço aqui? Porque tenho de usar dinheiro? Porque tenho de ter um trabalho? Quem me meteu essas coisas na cabeça? Que existe na cabeça senão o que penso? Porque é que as pessoas são tão mesquinhas? Porque não hei-de inventar ideias novas, porque não hei-de atingir a Ideia de Platão? Porque não hei-de ser sábio? Porque há-de existir um governo? Porque hã-de existir Deus? Porque há-de alguém mandar em mim? Porque passei a questionar tudo isto? Porque passo tanto tempo só? Porque não me limito a agarrar os segundos? Porque ainda acredito no amor e na liberdade? Porque não sou apenas mais um? O que é que me empurra? O que é que me faz subir? Porque me tornei diferente? O que me afasta da vidinha? Porque penso tanto? Porque é o que os meus pais me puseram aqui? Porque me fascinam tanto a loucura e a embriaguez? Que tenho a ver com Dionisos e os xamãs? Quem me ama? Quem me dá a mão? Porque fazem disto uma prisão?

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

VIVER

VIVER "Construir, todos os dias, incansavelmente, demencialmente, momentos inesquecíveis: isso sim vale a pena. Sê um construtor de momentos inesquecíveis, de momentos que vais querer, tal como quiseste vivê-los, recordar. Momentos que vais querer recordar incansavelmente, demencialmente. Sê um criador que nunca se cansa de construir momentos que vai querer recordar." (Pedro Chagas Freitas, "Eu Sou Deus") Fazer da vida uma festa, um banquete permanente. Eis o que os mercados e os governos nos querem impedir de fazer. Gozar a vida na leitura, no conhecimento, na arte, no prazer. Não ser o homem das meias-medidas, o meio-homem, a meia-mulher. Viver intensamente o instante. Viver é "nascer todos os dias, de novo. Consiste em ver tudo de novo", em fazer tudo de novo, em ser todos os dias "virgem de felicidade, criança de exaltação, bebé de euforia", como diz Pedro Chagas Freitas. Não é andar todo o dia a contar os trocos, a fazer contas. Viver é excesso mas também contemplação. Não é andar trabalho-casa, casa-trabalho, não é estar às ordens do governo, da polícia, da Merkel, dos mercados. Viver definitivamente é não estar às ordens de ninguém. Viver é andar sem Deus nem amos, como dizem os anarquistas. Não é certamente andar em função da televisão, do telejornal, do futebol, das telenovelas. Viver é desfrutar a vida. Quer através do saber, quer através do próprio querer, da vontade. Viver é sermos reis e senhores da vida. E eu conheci poetas vadios, sem-abrigo que o eram. Não são necessárias fortunas. Aliás, o dinheiro a partir de determinado nível só traz escravidão, dependência. Viver é certamente dar e receber amor e ser livre. É isso que somos. É isso que podemos ser. Não escravos disto e daquilo. Não subservientes em relação a este e àquele. Livres, soberanos, sonhadores. Donos da vida. Construtores de momentos inesquecíveis, criadores de vida. Eis porque estamos aqui, eis porque usamos a palavra. Ninguém nos vai roubar isto.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

A ESSÊNCIA

No “Ceuta” como há 26 anos. Na altura escrevia uns poemas de vez em quando, lia muito. Frequentava a Faculdade de Economia, ainda não tinha desatinado com o curso. À semana ficava na casa de Vilar do Pinheiro com o meu pai. À terça ia para Braga e voltava na quinta. Ao fim-de-semana também ficava em Braga. Comecei a sentir-me deprimido na Faculdade mas como estava sempre a ir para Braga a situação não se agravou. Foi em Braga que comecei a sair à noite, a ir aos concertos, a apanhar bebedeiras. Aqui no Porto ia às livrarias, às sextas estava com a minha prima. Comprava livros. Hoje estou, de novo, aqui no “Ceuta”. Acabo de participar numa acção contra a Merkel. Não tenho vontade nenhuma de ter um trabalho normal e, de qualquer forma, seria difícil alcançá-lo. Em vários aspectos coloquei-me à margem. Identifico-me com o xamanismo da Fátima Vale. Sou um estudioso mas sigo a religião da embriaguez. Acho ridículos e quadrados a Merkel, o Passos, o Cavaco. Acho ridículos os banqueiros, os especuladores, os grandes empresários e os grande media que nos controlam. São seres sem alma, sem amor, sem virtude. São assassinos que matam gente à fome. São vendilhões que nos vendem notícias formatadas, manipuladas. Penso até que deveriam ser expulsos do planeta tal o mal que nos fazem. Posso estar aqui sozinho com uns trocos no bolso mas considero-me digno da vida, rei de mim próprio. Não tenho dívidas à troika nem a ninguém. Movo-me livremente, escrevo livremente, escrevo com o meu próprio sangue. Ninguém me vem impor regras, ninguém me vem dizer o que devo dizer ou fazer. Era isso que eu começava a compreender há 26 anos quando era esse rapaz que se revoltou contra a economia. Ninguém tem o direito de jogar com a minha vida, ninguém me tira daqui. Sou absolutamente único. Sou absolutamente irrepetível. Venho de reis malditos, de outras eras, de outros seres, de outros sóis. Tenho todo o direito de estar aqui com uns trocos no bolso ou sem nenhuns. Estou vivo, porra! Tenho asma, tenho apneia mas estou vivo. Eles não são mais do que eu. Eles são menos do que eu. Faço guerrilha com a caneta. Espeto-lhes palavras nos cornos. Teria vergonha de ser igual a eles. Estou vivo, porra! Tenho um percurso. Se calhar já estava aqui há mil anos atrás. Sabes, eu não sou bem como os outros. Eu procuro a ideia de bem como Platão. Já fui a tribunal, já fui à Judiciária. Já enfrentei o sistema. Tenho todo o direito de estar vivo, de respirar, de escrever. Não há deuses acima de mim, talvez eles estejam dentro de mim. Hoje, 12 de Novembro de 2012, no café “Ceuta”, proclamo o meu reino. Danço, canto como o super-homem de Nietzsche. Sei que o homem e a mulher procuram a sua metade, a metade perdida. Sei que o homem e a mulher não estão satisfeitos. Não basta fazer manifestações. É preciso ir à essência. A essência do homem, da mulher está ferida, violentada. Eis o que os capitalistas e os mercantilistas conseguiram ao longo dos séculos. Mas nós não somos da mesma raça. Nós combatemos a morte em vida. Nós exigimos o sublime. Nós somos os novos magos. Nós queremos reinar sobre a terra.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A REPÚBLICA DOS FILÓSOFOS

"A não ser que os filósofos se tornem reis nas nossas cidades, ou que aqueles a quem chamamos reis e chefes se tornem filósofos sérios e capazes e haja uma conjunção do poder político e da inteligência filosófica (...) não haverá (...) cessação dos males para as nossas cidades, nem mesmo, segundo julgo, para o género humano." (Platão, "A República") Só um governo de filósofos, isto é, dos mais virtuosos, dos mais justos, dos mais sábios assegurará, como defende Platão, a felicidade dos cidadãos. Ou, em alternativa, a democracia directa, só possível em regiões de pequena dimensão. Mas o governo dos filósofos é o governo "daqueles para quem a verdade é o espectáculo pelo qual estão enamorados". Esses amantes da verdade, do bem e da sabedoria estão dispostos "a provar de todas as ciências", dedicam-se à tarefa de estudar com prazer e são capazes "de se elevar até ao belo em si e de o contemplar na sua essência". De resto, temos governantes e políticos corrompidos pelo poder, pela vaidade, pela riqueza. Temos cães de fila dos mercados, dos banqueiros, dos grandes capitalistas. Temos homens pequenos, medíocres que se atropelam e trepam uns para cima dos outros como macacos. Reina a desonestidade, a corrupção, o compadrio, a negociata. Estamos longe da ideia de bem, de justiça, que Platão preconizava. Estamos num mundo de senhores medíocres e de escravos. Procuremos os filósofos-reis, venha a república dos filósofos.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

DAS CRIANÇAS E DOS JOVENS

Deixemos as nossas crianças brincar e levemo-las a conhecer e a procurar o conhecimento sem constrangimentos pois, como afirmava Platão, "quem é livre nada deve aprender como se fosse um escravo". Revolucionemos o ensino, encaminhemos as nossas crianças e jovens no sentido do bem, do belo, do justo, deixemos que eles desenvolvam livremente a curiosidade e o prazer da descoberta. Não as encaminhemos mais para o negócio e para o mercado, afastêmo-los da máquina de propaganda. Formemos homens livres, poetas, filósofos. Construamos um novo mundo. Sigamos os grandes mestres. Abandonemos, de uma vez por todas, esta sociedade que não presta.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

DA VIDA

Não se tem de andar constantemente de pistola na mão a apelar à revolta e à revolução. Contudo, penso que, nos tempos que correm (e em todos os tempos...), não faz sentido que o poeta, o escritor e o intelectual não se pronunciem de forma crítica sobre a sociedade em que vivem. Temos de denunciar que a vida assim não é vida. Que há forças que se escondem por detrás das medidas fascizantes dos governantes. Que há essa entidade a que chamam os mercados, a quem todos obedecem. Que há os "credores", os especuladores, a bolsa, os banqueiros, os economistas, os grandes empresários, essa gente altamente recomendável. É preciso dizer que todos eles nos chulam, nos roubam, nos vão dando cabo da vida. E a vida é o que realmente interessa, como dizia Henry Miller. A vida é respirar, é estar vivo, é estar aqui mas é também gozar o instante, construir o presente, amar o próximo e o longínquo, mexer os dedos e a caneta, andar à solta sem imposições, sem castrações, sem culpas. A vida é certamente a liberdade livre de Sade e dos surrealistas, não o trabalho, não o sacrifício, não o que nos obrigam a fazer. A vida é certamente acordar contigo, ouvir as fontes e os pássaros, dançar em redor da fogueira, como cantava Morrison. A vida é certamente tirar todos esses imbecis do poder, caciques locais de Câmara e de Junta incluídos. A vida é ajudar esta gente a sair da cegueira, como fazia Sócrates, como fazia Shakespeare. Café São Cristóvão, Braga, 2.11.2012