domingo, 16 de outubro de 2011

O POETA EXPLODE


O poeta tem duas chávenas à frente. Duas colheres usadas. Dois pacotes de açucar vazios. Os livros "Mais Platão, Menos Prozak!" e "O Combate com o Demónio". Está no café "Farol". Ouve os gritos das crianças e vê gordos na TV. Está farto de mediocridades e de parvoíces. A cidade acolhe-o na rádio. Há mulheres e baloiços. Parques infantis. O poeta sente-se na pele de Allen Ginsberg. Escreve e performeia como ele. Provoca. Pensa. As duas chávenas não lhe saem da frente. Estão perfeitamente alinhadas. O poeta explode por dentro mas ainda não é tempo de se manifestar publicamente. Muda a disposição das chávenas. Continua a explodir. Ouve tudo. Absorve tudo. A cidade põe-no assim. Tira os óculos. É o único que escreve. Levanta-se. Dirige-se à casa de banho. Exibe-se. Ginga. Olha o mundo. Desafia-o. Provoca-o no andar. É belo, apesar da barriga. A insolência regressa. É uma prima-dona. Sente-se desejada, mulher. Está no palco, na passerelle. Sente-se absolutamente genial. Vale por muitos. No entanto, as duas chávenas mantêm-se à sua frente. Recordam-lhe que há uma geometria, que ainda não chegou a hora do passo final, da pose final. Lembra-se de que não pode, de forma alguma, perder o caderno. De qualquer forma, não é o único que traz livros para aqui. Olha as horas. São quatro da tarde. O poeta explode.

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