quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O MENINO

Não falo a linguagem do homem comum
desculpem-me mas eu não falo
a linguagem do homem comum
sei ser educado, delicado até
mas não embarco nas conversas
do que vem a propósito
na palavrinha do tareco
olho para as gajas
é o que é
para as curvas das gajas
desejo-as
aprecio-lhes os cabelos selvagens
as brincadeiras
mas não me peçam
para entrar na conversa
do homem comum
não preciso de submeter-me
ao homem comum
aliás, cheguei a um ponto
em que ´não tenho
que sujeitar-me a nada
sou dono de mim próprio,
ó imperialistas!
Sou dono da ideia
e do pensamento
sou soberano
escrevo versos no café
como Pessoa escrevia
em vez de aguaardente
bebo cerveja
sou um solitário
como ele
a minha cidade ´não é Lisboa,
é Braga
agora regresso a mim mesmo
nem sequer sou o actor
apenas aquele que escreve
à mesa discretamente
se tivesse mais dinheiro
embebedava-me...
mas eu já escrevi isto
em qualquer lado...
quero escrever o que nunca escrevi
estou lúcido como Álvaro de Campos
daqui a uns anos
quanto estiver agarrado à máquina
talvez me dediquem colóquios,
homenagens
talvez escalpelizem a minha literatura
talvez procedam a estudos rigorosíssimos
acerca da minha obra
mas agora sou apenas
o homem que escreve
e bebe
como tantas vezes antes
só que agora estou mais iluminado
sim, iluminado
é a palavra certa
comecei a sentir-me iluminado
no liceu aqui ao lado
no Alberto Sampaio
quando comecei a falar com as meninas
quando comecei a ler livros
e a ter conversas intelectuais
era um jovem promissor
depois fui parar
à Faculdade de Economia
e foi o que deu
revoltei-me contra a finança
agora não posso com esse mundo
sou do "The End"
sou do "Apocalipse Now"
bebo sem pensar em contas
orçamentos, preços
viva o copo cheio!
Que se foda o ministro das Finanças!
Não me cortais na vida
não me cortais na veia
não me espetais IVA's nem IRS's
estou acima
estou mundos acima
pertenço às estrelas
ao universo
nada tenho a ver convosco
que vos vendeis todo o dia
que dais o cu e a cona
aos mercados
não, não sou vosso
nasci de outros
nasci da honra
tirem-me daqui Wall Street
tirem-me daqui o BCE e o FMI
quero a Glória
não quero o FMI
metei a troika pelo cu acima
metei...
olha, mas apesar de tudo
aqui há vida
apesar de tudo as gajas riem
apesar de tudo a barbárie
ainda não é completa
apesar de tudo há estrelas
há estrelas aqui como na Grécia
eles não podem vir para aqui
cortar a direito
nós próprios podemos romper a direito
Break on through to the other side
ainda temos o direito de beber
a nossa cerveja
ainda temos o direito
de cantar a nossa canção
o mar já foi nosso
estou a falar da pátria perdida
dos que se fizeram ao mar
sem saber onde o mar acabava
estou a falar dos navegadores
não do tédio dentro das casas
não do país do rendimento mínimo
do deve e haver
da contabilidade filha da puta
não, eu sou da grandeza
eu vou beber cervejas ao inferno
com Rimbaud, com Cesariny, com Ezra Pound
não suporto mais os poetinhas
nem os escritorzecos de terceira
sou um mau rapaz
da linhagem maldita
ando pelos bares
brindo à vida
não sou do negócio
nem das gravatas
ando à solta
atiro-me de caras
e se não me quiseres ouvir, queridinha
podes dar uma curva
não estou para falinhas mansas
sou a puta do rock
nisto me tornei
não há cura
nem redenção
houve uns livros que li, sabes
que me deram a volta à cabeça
e agora misturo Shakespeare, Nietzsche, Pessoa
com puro rock n' roll
nada a acrescentar, minha rica
tenho a escola da rua
podeis até insultar-me
que eu sou mil vez pior do que vós
hey, baby, baby, baby,
I'm not gonna die tonight
não segui o ciclo normal
sou uma puta do rock n' roll
preencho os dias
canto as horas
sou o menino
que não se adaptou.

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