segunda-feira, 22 de novembro de 2010

O POETA


O POETA

Desperto. De novo, desperto. As mãos tremem mas desperto. Estou no princípio. Estou no precipício mas estou também no cume. O homem sobe e o homem sabe. Espera a mulher se ela vier. Quere-a. A mulher bonita, a mulher sabida. O poeta conhece as palavras. Quer dizê-las à mulher. Sabe o que quer. Não se limita a escrever versos. Está no mundo. Bebe. É da noite. A noite arde como a mulher. Este é o poeta que diz que o país está a arder. No fundo, nada tem a perder. Nasceu para isto. Vive da provocação, do desafio. Quer. É sobretudo vontade. Arde. Nasce. Sabe que o Estado o pode deter a qualquer momento. Não suporta o Estado. Em algumas coisas acha-o necessário. Mas não o suporta. Quer derrubá-lo. Já o imaginou várias vezes, já lá esteve várias vezes. Atirou-lhe pedras. Não é um santo. Por vezes até foi um bocado sacana. As pessoas do dia-a-dia na realidade não o conhecem. Poucos o conheceram na sua versão “hard”. Muda de pele. Veste a pele do humilde. Já foi humilhado na praça pública. Mas reagiu após a palavra da mulher. Consegue ser maldoso como Nero. Em determinadas situações, sob determinados céus. As pessoas não sabem. Não sabem que ele esteve várias vezes no inferno mas também já viveu o paraíso. Já não é aquele rapaz inocente dos 16 anos. Apanhou patadas. A maior parte das vezes não reage, deixa a banda tocar. Faz-se de ingénuo, inocente, ou é-o mesmo, acreditamos que sim. O Do Vale senta-se. É o poeta mas não apenas o poeta. Sabe que esta é a hora. Sabe que é a hora de andar na corda-bamba. Sabe que as greves e as manifs estão aí. É convidado para reuniões subversivas. Esta é a hora de gastar munições. Até começa a querer as gajas das televisões. É terrivelmente narcisista. Sabe ser bom e cruel. É terrivelmente sincero nas suas convicções. De certa forma, é um fanático. Espera a mulher. A mulher de sonho, que sobressai na paisagem. Não qualquer uma. Cremos mesmo que acredita nas suas convicções para lá da morte,
embora nem sempre o deixe transparecer. Julga-se um iluminado. A sua luz brilha. Veio cá para algo de grande, de superior. Chega o chato do costume e corta a veia.

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