segunda-feira, 5 de julho de 2010

DO GRANDE POETA

DO GRANDE POETA



António Pedro Ribeiro





Os grandes poetas são magos, são xamãs.


Vivem a experiência do "desregramento dos sentidos", como dizia Rimbaud.


Vivem desesperadamente o instante. Para compensar o grande tédio da existência quotidiana vivem uma vida interior riquíssima, intensíssima. Vivem uma embriaguez permanente mesmo quando estão parados à mesa ou ao balcão.


Passam do céu ao inferno, do inferno ao céu numa só tarde como se dizia de Rimbaud e de Baudelaire. Vão beber cervejas ao inferno, como dizia Cesariny de Rimbaud, e regressam.


O cidadão comum cruza-se com eles mas raramente os compreende.


Aproxima-se dele quando ele vai beber cervejas. Mas não o acompanha ao inferno.


Não é capaz. Teme o inferno, teme descer às profundezas de si mesmo.


Mas há qualquer coisa nas mulheres, em certas mulheres, que as aproxima do poeta.


Qualquer coisa que não é troco nem troca, qualquer coisa que se aproxima de Deus, da ideia de Deus, do amor enquanto divindade.


É certo que também há homens, amigos, companheiros que se aproximam do poeta. Que bebem copos com ele mas que não podem acompanhá-lo ao inferno. Nem sequer alguns que se dizem poetas, escritores, diseurs.


Até podem ter a retórica mas falta-lhes o fogo.


Jamais conseguirão criar nas condições em que o faz o poeta.


Não é uma questão de jogos de palavras. Não é uma questão de acertar na palavrinha.


É uma questão de vivência, de contacto com o fogo da criação.


É uma questão de jogar o jogo da loucura.


De não ter medo de ir atrás da loucura como se vai atrás do inferno.


De não ir atrás das conveniências e do senso comum.


De ser infinito dentro do finito.


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