sexta-feira, 19 de março de 2010

FILHO DE DEUS


I am the son of God. Sou o filho de Deus. Passo a noite em claro. Deambulo pela casa. Sou o filho de Deus. Dizem que ainda não cheguei onde quero chegar. Só a espaços. Sou o filho de Deus. Dizem até, agora, que tenho utilidade pública. Sou o filho de Deus. Mas às vezes até sou o anticristo. Ainda não cheguei onde quero chegar na palavra escrita. Tenho variações. Há dias, como hoje, em que vou da merda ao ouro em dois tempos, em que sou capaz do melhor e do pior. Sempre fui assim. É madrugada. Os pássaros cantam lá fora. Estou a subir. Já desci hoje. Tenho 41 anos. O que fiz até hoje? Dei-me ao mundo e fugi do mundo. Tive medo. Já senti medo do homem e até da mulher. As mulheres protegem-te mais, são mais doces, quando o são. Sim, tive medo. Fui um cobarde. Mas também houve alturas em que me fiz ao mundo de peito feito. Em que enfrentei a fera. Em que disse o que tinha a dizer. Sou o filho de Deus. I am the son of God. Não tenho de ser humilde. Não tenho de me rebaixar perante coisa nenhuma. Ainda assim apetece-me refugiar-me entre as mulheres. Dizem que algumas têm medo de mim. Estranham a minha calma excessiva. Dizem que sou estranho. Que não sou como os outros. E, de facto, eu não tenho a palavra fácil. Falo pouco. Só em certas ocasiões sou um bom conversador. Quando algo ou alguém me entusiasma. Como agora.
Sou o filho de Deus. Escrevo às sete da madrugada. Nem sequer sei se Deus existe nem quero saber. Quero escrever o que nunca foi escrito. Quero escrever como Homero, Shakespeare ou Nietzsche. Não quero ser um poeta de prémios ou de conferências. Farto-me do poeta de café.
Sou o filho de Deus. Descasco uma laranja sobre o papel. O sumo derrama-se como sangue. Sou aquele que procurais. Sou o filho de Deus. Sou aquele por quem esperais.

3 comentários:

Pata Negra disse...

Deus é castrado e, por isso, nunca poderia ter filhos!
Um abraço do aquém

A. Pedro Ribeiro disse...

ah, ah...

Live-O6 disse...

O mito da serpente devorando a sua própria cauda parece significar aqui precisamente o contrário em relação ao elemento que favorece o crescimento da vida.