domingo, 31 de maio de 2009

ABSOLUTAMENTE LIVRE


Não me venhas falar do trabalho!
A vida foi-me dada gratuitamente
a vida é de graça- já o disse
e repito-o mil vezes
a vida é de graça
não me venhas com a conversa do sistema
o meu trabalho é este:
escrever e dizer o que escrevo publicamente
até pode ser que me perca
que me deixe levar pelo entusiasmo
quando as palmas são muitas
e as pessoas vêm falar comigo no fim
o trabalho é apenas um meio de ganhar dinheiro
de assegurar a sobrevivência
eu não vim ao mundo para sobreviver
sabes, as coisas que eu escrevo
não são apenas para ficar no papel
o trabalho é sacrifício
o trabalho é inimigo da vida
a vida não é sacrifício
a vida não pode ser sacrifício
"o trabalho encontra-se em toda a parte
onde as pessoas nada fazem da sua própria vida"
(Raoul Vaneigem)
eu faço, tenho feito alguma coisa da minha vida
eu tenho orgulho naquilo que faço, ouviste?
Eu estou a contribuir para mudar a vida
as coisas que eu digo, as coisas que eu escrevo
não são mera retórica
não são palavras em vão, espero eu
eu vim ao mundo para criar e destruir
não vim para vegetar
nem para falar dos vizinhos
nem da vidinha
nem do trabalho
nem do caralho que seja
eu vim para a vida
e isso nada tem a ver
com horários, regras ou disciplina
faço o que quero
vou fazendo o que quero
confesso que gostaria de ter mais uns trocos
no bolso
para beber e estoirar
para ficar noite fora
talvez esteja a entrar em contradição
mas sei que o melhor da vida é de graça
o divertimento
o amor
a amizade
a fraternidade
não têm preço
porque raio há-de tudo ter um preço?
DIz-se que Jesus Cristo e Sócrates não usavam dinheiro
eu quero ser como eles
quanto vale este poema?
Será que este poema tem um preço?
Provavelmente um dia será publicado em livro
e aí terá um preço
mas isso parece-me secundário
o poema tem um valor de uso
tem uma missão
mesmo que eu morra esta noite
alguém pegará neste caderno
e divulgará o que nele está escrito
a criação não tem preço
e é do lado da criação que eu me situo
porque raio me hei-de sujeitar aos horários
e sacrifícios de trabalhos que pouco ou nada me dizem?
Estou bem assim
estou bem assim a criar
sinto-me livre
ah!Ah! Sinto-me absolutamente livre
às cinco da tarde na confeitaria
a conversa das velhas não me perturba
a multidão de Serralves não me atrai
nem sequer me apetece ver muita gente~
talvez um dia tenha de enfrentar essa gente toda
num palco qualquer
mas esse dia não é hoje
hoje crio, hoje escrevo
isso basta-me
sou absolutamente livre
há uns tempos que não me sentia assim
há realmente livros que nos abrem a cabeça
ah, grande Vaneigem! Profeta situacionista!
A "Economia Parasitária" deu-me a volta à cabeça
é realmente nas mulheres que está o mundo novo
é certo que as mulheres dizem muitos disparates
é certo que as mulheres, de uma maneira geral,
ligam muito aos bens materiais e à subsistência
é certo que as mulheres são, muitas vezes, inacessíveis
mas também é certo que ligam menos ao poder e à glória
talvez elas me compreendam melhor
desde que não se deixem controlar pelo trabalho
desde que não se deixem contaminar pelo dinheiro
as mulheres criam a vida
e eu crio esta merda
não preciso de horários
para criar esta merda
não preciso de regras
para criar esta merda
não preciso de trabalhos
sou absolutamente livre
e isso basta-me
para me sentir absolutamente livre
nem sequer preciso de sair da confeitaria
para me sentir absolutamente livre
até aguento a conversa das velhas
para me sentir absolutamente livre
não preciso dos milhões do Belmiro
nem dos paraísos fiscais
nem dos chulos da bolsa
nem do cabrão cinzentão do primeiro-ministro
para me sentir absolutamente livre
nem sequer preciso das mamas das gajas
nem do "Jornal de Notícias"
nem do Pinto da Costa
para me sentir absolutamente livre
basta-me a paz
a viagem interior
o espírito livre

e estou bem assim
e nada me tira daqui
e vou continuar assim
mesmo que isso não te agrade
mesmo que isso te faça confusão
é a vida que me empurra
é a vida que me quer
venha quem vier
doa a quem doer.


Vilar do Pinheiro, "Motina", 30.5.2009

1 comentário:

Claudia Sousa Dias disse...

nunca pensei que ficasses tão chateado com o que eu te disse.

dou-te razão nalguns pontos.

mas continua a haver muitas contradições no teu ponto de vista que prefiro discutir pessoalmente.


CSD