quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

BÊNÇÃO

BÊNÇÃO

Ter dinheiro e não ter
pagar ficar a dever
ir aos bares do Bairro Alto
beber nos bares nas barracas
cheio de cacau nos bolsos

depois deixar cair o cacau pelos bolsos abaixo
perder os óculos em Lisboa
andar à toa feito rock-star

regressar sem saber como
comprar dois bilhetes em vez de um
um para o Porto outro para Coimbra
viajar fodido dos cornos do estômago da barriga
entrar, sair e depois cair na cama
sem luz sem vontade
e depois regressar a Zaratustra
ao poeta-mago
ao céu ao sol à luz
às mulheres que queres
aos pulsos que cortas que feres
à prudência que mandas para o caralho
vira o baralho
e volta o futebol
o circo máximo de outrora
quando caminhavas por Roma
entre Cícero e Augusto
rei morto, rei posto

em transe por Lisboa
ao acaso à deriva à sorte
como Pessoa
e, por duas horas,
não sabes o que fizeste
onde estiveste
com quem estiveste
ficou tudo em branco

hoje estás a caminho do mesmo
mas não tens cacau
e isto não é Lisboa
nem tu és o príncipe da Macedónia
só há golos e tolos a festejar
nuvens a perturbar- assim falava Zaratustra
e tu amas as alturas
amas realmente as alturas
e até a Humanidade
mas não suportas a pequenez dos homens

és daqueles que sabes
nada há a fazer
mesmo que vás pelos caminhos direitos
haverá sempre noites, dias em que seguirás
as ruas tortuosas
porque sabes que esse é o caminho do Céu
não o céu de Deus, de Alá ou de Cristo
mas o Céu de Nietzsche, de Blake, de Rimbaud,
de todos os malditos

Abençoados sejam os malditos
abençoados sejam os que procuram
a luz no meio das trevas
abençoados sejam os que te amam
abençoados os que enlouquecem
porque a loucura dos que se curvam
não é loucura, é doença.

A. Pedro Ribeiro.

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