quinta-feira, 9 de novembro de 2006

AURELINO COSTA

A CELEBRAÇÃO DE GENOVEVA

António Pedro Ribeiro

O livro do poeta e diseur poveiro e universal Aurelino Costa, "Na Terra de Genoveva" (Edições do Buraco), é uma espécie de cântico à mulher, à volúpia e também de celebração da maternidade, da vida, da luz, dos sabores e dos odores e, ao mesmo tempo, da rudeza da natureza, da mãe-terra. Mãe, teta, mama, úbere, mamilo, gema, vaca, luz, fruto, filho, neto, "as mães têm sempre razão" (p.18) são palavras e versos que falam por si e se entrelaçam com um certo misticismo/religiosidade sempre à flor da pele, sempre preso à terra: cruz, anjo, oração, sinal, Sinai e, claro, Baco, Eros, auréola, devota, glórias, eterno, lua, "um homem cravado" ou ainda "canções de caos menor ululam no céu" (p.35), "a teia (ateia?) do céu" (p.32).
Mas há também e sobretudo a celebração da deusa, por vezes puta, mulher, do corpo, bem como dos tais cheiros e sabores humanos, animais/animalescos, terrenos, de uma forma arrebatada, violenta, directa, sem meias-tintas mas com as tintas da criação. A mulher vem ter com o "apátrida guerreiro" (Ulisses? Aquiles?), sempre ao sabor de um movimento contínuo (o Eterno Retorno?), agreste, liberto que faz com que "a península e Letícia (se) abrem-se" (p.12), no "açucarado felino" da língua, no "latido das nádegas", na "sífilis perpétua", na garganta (funda?) que vibra. É talvez a mesma Letícia/Genoveva que (se) "despiu-se ao espelho" (p.29) e "mexe a chávena com a trança" (p.29), é "a eterna mulher sem roupa" (32), a "Susan Pensak no púcaros (...) a beber cerveja pensal"(29), a "estátua de pele" (42), a "vulva (que) fulmina o que vegeta" e sobretudo a fabulosa "viagem para o teu vestido de insana" (48) ou a "Lesma (...) /a lamber o teu adulto de mulher" (54). Em Aurelino há uma inquietação/exaltação/libertinagem constante dos sentidos e dos elementos que desemboca numa musicalidade sôfrega, sensual e selvagem: cuspo, sede/sal, lapa, "zumbem vespas", ácidos, fígado, "namorada/engolir", "tesoura na garganta", "vacas apascentam/defecam/fodem" (20), "cio in testicular", "mico o sol de ponta" (23), "debica um astro na boca" (25), "mortandade de facas".
Depois vem a própria música, "os broques da guitarra" (p.32, para Jorge Palma), violino, "esticar cordas", harpa. Por fim, chega o lado apocalíptico/dionisíaco/algo surrealista: "verme no vício", "malmequer de espátula alucina a noite quente/ aniversário do sol" (50), "arame/farpa o homem" (52), "late o mar e a velha", "Alexandre (O Grande?) teme o fim dos repórteres" (31), "velha viva mastigando um peixe morto" (42), "sobre a origem de macaco o homem nada" (24), "o génio faz batota" e o sublime "na ponta dos cais assobiam suicídios".

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